quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

1º DOMINGO DA QUARESMA ano A, homilias, subsídios homiléticos


1º DOMINGO DA QUARESMA ano A

PRIMEIRA LEITURA (Gn2,7-9;3,1-7) Leitura do Livro do Gênesis.
O Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou lhe nas narinas o sopro da vida, e o homem tornou-se um ser vivente. Depois, o Senhor Deus plantou um jardim em Éden, ao oriente, e ali pôs o homem que havia formado. E o Senhor Deus fez brotar da terra toda sorte de árvores de aspecto atraente e de fruto saboroso ao paladar, a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal. A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos que o Senhor tinha feito. Ela disse à mulher: “É verdade que Deus vos disse: ‘Não comereis de nenhuma das árvores do jardim?’ E a mulher respondeu à serpente: “Do fruto das árvores do jardim nós podemos comer. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus nos disse:  ‘Não comais dele nem sequer o toqueis, ao contrário morrereis’”.  A serpente disse à mulher: “Não, vós não morrereis. Mas  Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal”. A mulher viu que seria bom comer da árvore, pois era atraente para os olhos e desejável para se alcançar conhecimento. E colheu um fruto, comeu e deu também ao marido, que estava com ela, e ele comeu. Então, os olhos dos dois se abriram; e, vendo que estavam nus, teceram tangas para si com folhas de figueira. Palavra do Senhor. T. Graças a Deus.

AMBIENTE - Texto do séc. X a.C., época de Salomão. Finalidade teológica: na origem está Jahwéh. Trata-se de uma catequese e não de um tratado científico sobre as origens do mundo e da vida.
MENSAGEM - O homem não é apenas terra, pois recebe também o “sopro” de Deus. O homem procede diretamente, de Deus. Deus coloca-o num “jardim”. No centro do jardim, duas árvores especiais: a “árvore da vida” e a “árvore do conhecimento do bem e do mal”. A “árvore da vida” é o símbolo da imortalidade, que passa pela Lei e mandamentos… A “árvore do conhecimento do bem e do mal” é o outro caminho e representa o orgulho e a autossuficiência de quem acha que pode conquistar a sua própria felicidade, prescindindo de Deus. “Comer da árvore do conhecimento” significa decidir por si só o que é bem e o que é mal, pôr-se a si próprio em lugar de Deus. A idéia é esta: Deus criou o homem para ser feliz; deu-lhe a possibilidade de vida imortal; mas o homem pode escolher prescindir de Deus e percorrer caminhos onde Deus não está.
Na segunda parte o autor reflete: De onde vem o mal que impede o homem de ter vida plena? Esse mal – sugere o teólogo – vem das opções erradas que o homem tem feito. Para dizer isto, o autor recorre à imagem da serpente. Entre os povos antigos, a serpente aparece como um símbolo por excelência da vida e da fecundidade. Havia o culto da serpente (baal) com rituais mágicos para a fecundidade dos campos e rebanhos. A “serpente” surge aqui, como símbolo de tudo o que afasta os homens de Deus, sugerindo-lhes caminhos de orgulho, de egoísmo e de autossuficiência.
Conclusão: Deus criou o homem para ser feliz e indicou-lhe o caminho da imortalidade e da vida plena; no entanto, o homem escolhe muitas vezes o caminho do orgulho e da autossuficiência e vive à margem de Deus. Na opinião do autor jahwista, é essa a origem do mal que destrói a harmonia do mundo.
ATUALIZAÇÃO • De onde vimos? É Deus a nossa origem e o nosso destino último.
• Quando aceitamos Deus, Ele nos indica os caminhos da felicidade (mandamentos).
• O mal não vem de Deus, mas das escolhas erradas, do orgulho, do egoísmo e autossuficiência.
- "Nus": Despojados da dignidade inicial (viver nu é a condição dos animais; sem perspectiva).

SALMO RESPONSORIAL / Sl 50 (51)
Piedade, ó Senhor, tende piedade, pois pecamos contra vós.
• Tende piedade, ó meu Deus, misericórdia!/Na imensidão de vosso amor, purificai-me! / Lavai-me todo inteiro do pecado / e apagai todas as minhas transgressões.
• Eu reconheço toda a minha iniquidade, / o meu pecado está sempre à minha frente. / Foi contra vós, só contra vós que eu pequei / e pratiquei o que é mau aos vossos olhos!
• Criai em mim um coração que seja puro, / dai-me de novo um espírito decidido. / Ó Senhor, não me afasteis de vossa face, / nem retireis de mim o vosso Santo Espírito.
• Dai-me de novo a alegria de ser salvo / e confirmai-me com espírito generoso! / Abri meus lábios, ó Senhor, para cantar, / e minha boca anunciará vosso louvor!

EVANGELHO (Mt 4,1-11) Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus.
Naquele tempo, o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo. Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, depois disso, teve fome. Então, o tentador aproximou-se e disse a Jesus: “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães!”. Mas Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus’”. Então o diabo levou Jesus à Cidade Santa, colocou-o sobre a parte mais alta do Templo e lhe disse: “Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo! Porque está escrito: ‘Deus dará ordens aos seus anjos a teu respeito, e eles te levarão nas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’”. Jesus lhe respondeu: “Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus!’”. Novamente, o diabo levou Jesus para um monte muito alto. Mostrou-lhe todos os reinos do mundo e sua glória e lhe disse: “Eu te darei tudo isso, se te ajoelhares diante de mim, para me adorar”. Jesus lhe disse: “Vai-te embora, Satanás, porque está escrito: ‘Adorarás o Senhor teu Deus e somente a ele prestarás culto’”. Então o diabo o deixou. E os anjos se aproximaram e serviram a Jesus.

AMBIENTE - “Jesus foi tentado pelo diabo”. Os quarenta dias resumem os quarenta anos de Israel pelo deserto. O deserto é o lugar da “prova”, (do encontro com Deus e da sua fragilidade onde se encontra o amor de Deus).

MENSAGEM - A catequese sobre as opções de Jesus aparece em três quadros:
 Tentação do caminho de realização material (Riqueza); É fazer dos bens materiais a prioridade.
 Tentação do êxito fácil, mostrando o seu poder (Fama) e sendo admirado e aclamado. “Não tentar” o Senhor significa não exigir de Deus sinais e provas que sirvam para a promoção pessoal, não usar os dons para se impor.
Tentação do poder, de domínio, de prepotência, ao jeito dos grandes da terra. Jesus sabe que só o Pai é absoluto e que só Ele deve ser adorado.
        As três tentações são uma única tentação: a tentação de prescindir de Deus, de escolher um caminho de egoísmo, de orgulho e de autossuficiência, à margem das propostas de Deus. Mas, para Jesus, ser “Filho de Deus” significa viver em comunhão com o Pai, escutar a sua voz, realizar os seus projetos, cumprir os seus planos. Jesus venceu a tentação de escolher caminhos à margem dos projetos do Pai. De Jesus vai nascer um novo Povo de Deus, cuja vocação é viver em comunhão com o Pai e concretizar o seu projeto para o mundo e para os homens.
ATUALIZAÇÃO • Jesus recusou o individualismo. Ele quer a comunhão com o Pai e ao seu projeto…
• Quando o homem esquece Deus, se fecha no egoísmo e na autossuficiência, cai na escravidão de “deuses”.
** O homem foi seduzido e deseja ser seu próprio Deus! Somente sua vontade importa! Eis aqui o seu pecado!
** Ser como Deus, sendo autônomo, decidindo o que é certo e errado Resultado: viram que estavam nus…

SEGUNDA LEITURA (Rm 5,12-19) Leitura da Carta de São Paulo aos Romanos.
 Irmãos, consideremos o seguinte: o pecado entrou no mundo por um só homem. Através do pecado, entrou a morte. E a morte passou para todos os homens, porque todos pecaram... Na realidade, antes de ser dada a lei, já havia pecado no mundo. Mas o pecado não pode ser imputado, quando não há lei. No entanto, a morte reinou, desde Adão até Moisés, mesmo sobre os que não pecaram como Adão, o qual era a figura provisória daquele que devia vir. Mas isso não quer dizer que o dom da graça de Deus seja comparável à falta de Adão! A transgressão de um só levou a multidão humana à morte, mas foi de modo bem superior que a graça de Deus, ou seja, o dom gratuito concedido através de um só homem, Jesus Cristo, se derramou em abundância sobre todos. Também o dom é muito mais eficaz do que o pecado de um só. Pois, a partir de um só pecado, o julgamento resultou em condenação, mas o dom da graça frutifica em justificação, a partir de inúmeras faltas. Por um só homem, pela falta de um só homem, a morte começou a reinar. Muito mais reinarão na vida, pela mediação de um só, Jesus Cristo, os que recebem o dom gratuito e superabundante da justiça. Como a falta de um só acarretou condenação para todos os homens, assim o ato de justiça de um só trouxe, para todos os homens, a justificação que dá a vida. Com efeito, como pela desobediência de um só homem a humanidade toda foi estabelecida numa situação de pecado, assim também, pela obediência de um só, toda a humanidade passará para uma situação de justiça.

AMBIENTE - (anos 57/58). Os cristãos de origem judaica consideravam necessário cumprir as Leis (circuncisão); Paulo vai mostrar que o essencial é acolher a oferta de salvação que Deus faz a todos, por Jesus.
MENSAGEM - Para Paulo, Adão prescinde de Deus e opta pelos caminhos de egoísmo, de orgulho e de autossuficiência. Ora, essa escolha produz injustiça, alienação, sofrimento, desarmonia. Porque o pecado gera morte. A morte deve ser entendida, neste contexto, como morte espiritual e escatológica que é afastamento temporário ou definitivo de Deus (a fonte da vida autêntica).
Cristo propôs outro caminho. Ele viveu na obediência total aos projetos do Pai. Esse caminho leva à superação do egoísmo, do orgulho, da autossuficiência e faz nascer um Homem Novo, que vive em comunhão com o Deus que é fonte de vida autêntica (a vitória de Cristo sobre a morte é a prova de que só a comunhão com Deus produz vida definitiva). Foi essa a grande proposta que Cristo fez à humanidade… Assim, Cristo libertou os homens da economia de pecado e introduziu no mundo uma dinâmica nova, uma economia de graça que gera vida plena. Cristo veio propor um caminho de comunhão com Deus e de obediência aos seus projetos; vida plena e definitiva.
ATUALIZAÇÃO • Adão ignora as propostas de Deus e decide, por si só; egoísmo, sofrimento e morte;
Jesus escolhe viver na obediência às propostas de Deus; gera vida plena e definitiva.

- O homem é homem, não é Deus! Deixemos a teimosia e a ilusão de achar que nos bastamos a nós mesmos! Nós temos a vida divina, por pura graça.
- “A vida é uma luta” (Jó 7,1): há inimigos internos: soberba, avareza, luxúria, gula, inveja, ira, preguiça. Há inimigos externos: o diabo, pessoas tentadoras, estruturas sociais injustas etc. Se o cristão não luta, é vencido.
- Diz Santo Agostinho que ninguém se conhece a si mesmo sem ser experimentado, e não pode ser coroado sem ter vencido, e não pode vencer, se não tiver combatido e não pode lutar se não encontrou o inimigo e as tentações. O pior dos ídolos é o nosso próprio eu.
- O homem preferiu construir o "paraíso" a seu modo. Rompendo com o projeto de Deus, "sentiu-se nu", incapaz de ser feliz.
-  Ainda hoje somos tentados a esquecer as propostas de Deus e seguir as nossas propostas; outros deuses.
- Como Jesus nos ensinou na oração do Pai Nosso: “Não nos deixeis cair em tentação”; é necessário repetir muitas vezes e com confiança essa oração!
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As tentações continuam...

A Quaresma é um tempo sagrado para aprofundar o Plano de Deus e rever a nossa vida cristã.
E nós somos convidados pelo Espírito ao DESERTO da Quaresma para nos fortalecer nas TENTAÇÕES, que frequentemente tentam nos afastar dos planos de Deus.

As Leituras bíblicas nos ajudam nesse sentido...

A 1a Leitura apresenta a tentação de Adão e Eva: (Gen 2,7-9.3,1-7)
Deus criou o homem para a felicidade e para a vida plena. No entanto o homem preferiu construir o "paraíso" a seu modo. Rompendo com o projeto de Deus, "sentiu-se nu", despojado dos dons de Deus, incapaz de ser feliz.

A finalidade do autor sagrado não é uma descrição histórica ou científica, mas uma Catequese sobre a Origem do Mundo e da Vida.
- O Homem vem "da terra", no entanto recebe também o "sopro de Deus".
- Deus criou o homem para ser feliz, em comunhão com Deus   e indica-lhe o caminho da imortalidade e da vida plena.
- As escolhas erradas do homem, desde o início da história,   destroem a harmonia no mundo e é a Origem do Mal.
- "Jardim, plantas, água abundante": é o ideal de felicidade desejado por um povo que vive os rigores do deserto árido.
- "Árvore da vida": símbolo da imortalidade concedida ao homem.
- "Árvore do conhecimento do bem e do mal": representa a auto-suficiência de quem busca a própria felicidade longe de Deus.
- "Nus": Despojados da dignidade inicial (viver nu é a condição dos animais).
- "A Serpente": representa a Religião Cananéia, que cultuava a serpente.
   Por ela, os israelitas eram tentados a abandonar o caminho exigente da Lei.
   É símbolo de tudo o que afasta os homens de Deus e de suas propostas.

A 2ª Leitura nos propõe dois exemplos: Adão e Jesus. (Rm 5,12-19)
Adão representa o homem que escolhe ignorar as propostas de Deus e decidir, por si só, os caminhos da salvação e da vida plena;
Jesus é o homem que escolhe viver na obediência às propostas de Deus.
O esquema de Adão gera egoísmo, sofrimento e morte;
O esquema de Jesus gera vida plena e definitiva.

O Evangelho fala das tentações de Jesus. (Mt 4,1-11)
Na sua quaresma no DESERTO, Jesus é tentado três vezes a abandonar o plano de Deus e procurar outros caminhos, mas Ele se recusa.
Esse relato não é uma reportagem histórica, mas uma Catequese, cujo objetivo é mostrar que também Jesus foi tentado, mas foi fiel à vontade do Pai.
Os 40 dias simbolizam os 40 anos passados por Israel no deserto.
Jesus revive a experiência da fome e da confiança do povo na Providência divina.
Mateus sintetiza em três tentações simbólicas todas aquelas provas, que Jesus enfrentou e venceu durante toda a sua vida:
 
1) Tentação da Abundância (Riqueza):
Jesus é tentado a transformar as pedras em pães, como no tempo do Maná.
Jesus vence a prova, demonstrando a necessidade essencial de alimentar-se da Palavra de Deus: "Nem só de pão vive o homem..."

2) Tentação do Prestígio:         
Jesus poderia ter escolhido um caminho de êxito fácil, mostrando o seu poder através de gestos espetaculares e sendo admirado e aclamado pelas multidões.
Jesus rejeita todo o desejo de prestígio e afirma:
 "Não tentarás o Senhor teu Deus".
Não força Deus para solucionar magicamente problemas humanos.

3) Tentação do Poder:
Jesus poderia ter escolhido um caminho de poder, de domínio.
No entanto, Jesus rejeita essa tentação, afirmando: "Só a Deus adorarás".

As três tentações aqui apresentadas são três faces de uma única tentação: ignorar as propostas de Deus e escolher um caminho pessoal.
Jesus recusou a tentação do pão, da glória e do poder...
Para Ele, só uma coisa é verdadeiramente decisiva e fundamental: a comunhão com o Pai e o cumprimento obediente do seu projeto…

 + As Tentações continuam ainda hoje...
Ainda hoje somos tentados a esquecer as propostas de Deus e seguir outros deuses.
A Quaresma é um tempo favorável para rever quais são os ídolos, que adoramos no lugar de Deus e que
condicionam as nossas decisões e opções.
As nossas tentações talvez sejam semelhantes às de Jesus:

- Tentação da Riqueza: de "ter mais": dinheiro, bens, conforto, comodidade...
  Até recusamos compromissos voluntários, pois podem prejudicar o conforto...
  achando que para ser feliz,   basta ter muitos bens...

- Tentação do Prestígio, da fama: Adoramos ser elogiados, aparecer...
   Até exigimos de Deus sinais do seu amor: "Senhor, se me amas, ajuda-me..."
   E se o milagre não acontece, a nossa fé vacila!...

- Tentação do Poder: procuramos o Poder a todo custo e
  o exercemos com prepotência... em todos os ambientes...  
+ As tentações continuam ainda...  Qual é a nossa atitude diante delas?

                                         Pe. Antônio Geraldo
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Homilia D. Henrique Soares da Costa
Logo no início deste santo caminho para a Páscoa, a Palavra de Deus nos desvenda dois mistérios tremendos: o mistério da piedade e o mistério da iniqüidade! Esses dois mistérios atravessam a história humana e se interpenetram misteriosamente; dois mistérios que nos atingem e marcam nossa vida, e esperam nossa decisão, nossa atitude, nossa escolha! Um é mistério de vida; o outro, mistério de morte.
Comecemos pelo mistério da iniqüidade: “O pecado entrou no mundo por um só homem. Através do pecado, entrou a morte. E a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram”. Eis! A vida que vivemos, a vida da humanidade é uma vida de morte, ferida por tantas contradições, por tantas ameaças físicas, psíquicas, morais… Viver tornou-se uma luta e, se é verdade que a vida vale a pena ser vivida, não é menos verdade que ela também tem muito de peso, de dor, de pranto, de fardo danado. Mas, como isso foi possível? Escutemos a primeira leitura: “O Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e o homem tornou-se um ser vivente”. Somos obra de Deus, do seu amor gratuito: do nada ele nos tirou e encheu-nos de vida. Mais ainda: “O Senhor Deus plantou um jardim em Éden, ao oriente, e ali pôs o homem que havia formado”. Vede: o Senhor não somente nos tirou do pó do nada, não somente nos encheu de vida; também nos colocou no jardim de delícias, pensou nossa vida como vida de verdade toda banhada pela luz do oriente. E mais: nosso Deus passeava no jardim à brisa do dia (cf. Gn 3,8), como amigo do homem. Eis o mistério da piedade, o projeto que Deus concebeu para nós desde o início, apresentado pela Palavra de modo poético e simbólico: um Deus que é Deus de amor, de ternura, de carinho, de respeito pela sua criatura, com a qual ele deseja estabelecer uma parceria; um homem chamado a ser plenamente homem: feliz na comunhão com Deus, feliz em ter no seu Deus sua plenitude e sua vida; homem plenamente homem nos limites de homem. O homem é homem, não é Deus! Somente o Senhor Deus é o Senhor do Bem e do Mal. Por isso as duas árvores no Éden: a do conhecimento do Bem e do Mal (isto é, o poder de decidir por si mesmo o que é bem ou mal, certo ou errado) e a árvore da Vida (da vida plena, da vida divina). Se o homem confiasse em Deus, se cumprisse seu preceito, se reconhecesse seus limites, um dia comeria do fruto da árvore da Vida…
Mas, o homem foi seduzido; é seduzido inda agora: deseja ser seu próprio Deus, sem nenhum limite, sem nenhuma abertura à graça! Somente sua vontade lhe importa, somente sua medida! Hoje, como no princípio, ele pensa que é a medida de todas as coisas! Eis aqui o seu pecado! O Diabo o seduz: primeiro distorce o preceito de Deus (“É verdade que Deus vos disse: ‘Não comereis de nenhuma das árvores do jardim’?”), semeando no coração do homem a desconfiança e o sentimento de inferioridade; depois, mente descaradamente: “Não! Vós não morrereis! Vossos olhos se abrirão e sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal!” Ser como Deus, decidindo de modo autônomo o que é certo e o que é errado; decidindo que a libertinagem é um bem, que as aventuras com embriões humanos, que o aborto, que a infidelidade feita de preservativos, são um bem… Decidindo loucamente que levar a sério a religião e a Palavra de Deus é um mal… Ser como Deus… Eis nosso sonho, nossa loucura, nossa mais triste ilusão! Tudo tão atraente, tudo tão apto para dar conhecimento, autonomia, felicidade… O resultado: os olhos dos dois se abriram: estavam nus… estamos nus… somos pó e, por nós mesmos, ao pó tornaremos, inapelavelmente!
Então, nosso destino é a morte? Não há saída para a humanidade? O mistério da iniqüidade destruiu o mistério da piedade? Não! De modo algum! Ao contrário: revelou-o ainda mais: “A transgressão de um só levou a multidão humana à morte; mas foi de modo bem superior que a graça de Deus… concedida através de Jesus Cristo, se derramou em abundância sobre todos. Por um só homem a morte começou a reinar. Muito mais reinarão na vida, pela mediação de um só, Jesus Cristo, os que recebem o dom gratuito e superabundante da justiça”. Eis aqui o mistério tão grande, o mistério da piedade, o centro da nossa fé: em Cristo revelou-se todo o amor de Deus para conosco; pela obediência de Cristo a nossa desobediência é redimida; pela morte de Cristo na árvore da cruz, nós temos acesso ao fruto da Vida, da Vida plena, da Vida em abundância, da Vida que nunca haverá de se acabar! Pela obediência de Cristo, pelo dom do seu Espírito, nós temos a vida divina, nós somos divinizados, somos, por pura graça, aquilo que queríamos ser de modo autônomo e soberbo! Assim, manifestou-se a justiça de Deus: em Jesus morto e ressuscitado por nós – e só nele! – a humanidade encontra vida!
Mas, esta salvação em Jesus teve alto preço: a encarnação do Filho de Deus e sua humilde obediência, até a morte e morte de cruz. O Senhor desfez o nó da nossa desobediência, da nossa autossuficiência, da nossa prepotência, renunciando ser o senhor de sua existência humana: ele acolheu a proposta do Pai, ele se fez obediente: à glória do pão (dos bens materiais, dos prazeres, do conforto) ele preferiu a Palavra do Pai como único sentido e única orientação de sua vida; à glória do sucesso (a honra, a fama, o aplauso), ele preferiu a humildade de não tentar Deus; à glória do poder (da força, das amizades poderosas e influentes, do prestígio político para impor e conseguir tudo) ele preferiu o compromisso absoluto e total com o Absoluto de Deus somente. Assim, Cristo Jesus, o Homem novo, o novo Adão (de quem o primeiro era somente figura e sombra) abriu-nos o caminho da obediência que nos faz retornar ao Pai!
Este é também o nosso caminho. Nossa vocação é entrar, participar, da obediência de Cristo pela oração, a penitência e a caridade fraterna para sermos herdeiros de sua vitória pascal! Este sagrado tempo que estamos iniciando é tempo de combate espiritual, para que voltemos, pelo caminho da obediência Àquele de quem nos afastamos pela covardia da desobediência. Convertamo-nos, portanto! Deixemos a teimosia e a ilusão de achar que nos bastamos a nós mesmos! Sinceramente, abracemos os sentimentos de Cristo, percorramos o caminho de Cristo, convertamo-nos a Cristo!
Concluamos com as palavras da Coleta de hoje: “Concedei-nos, ó Deus onipotente, que, ao longo desta quaresma, possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder ao seu amor por uma vida santa”. Amém.
D. Henrique Soares da Costa
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Homilia  Pe. Françoá Costa

Somos pessoas normais!

Essa afirmação poderia chamar a nossa atenção se não conhecêssemos a natureza humana, não somente através da bondade que ela manifesta constantemente, mas também por causa das dificuldades que a velha natureza encontra desde que Adão e Eva aprontaram, ou seja, pecaram. Antes o homem e a mulher estavam cheios de graça, a sua inteligência conhecia com rapidez e a sua vontade não encontrava dificuldade para amar, a sua memória era ágil, as suas forças permaneciam firmes diante do trabalho cotidiano e se vivia em grande harmonia com toda a criação. Eram pessoas normais!
No entanto, na situação atual, podemos afirmar tranquilamente: também nós somos pessoas normais! Isso significa que em nós há coisas boas e coisas más. Não nos deveriam surpreender demasiado nem as coisas boas, porque são graças de Deus; nem as más, porque são consequentes como uma natureza que, a partir, do pecado, tem aquilo que a tradição chama de vulnera peccati, ou seja, as feridas do pecado. Em efeito, depois do pecado, o ser humano perdeu a maravilhosa harmonia que existia no seu próprio ser e, consequentemente, também perdeu a harmonia que experimentava junto à natureza biológica e animal. Também o mundo que antes lhe era favorável, depois do pecado se lhe manifestava como hostil.
Pobre de nós se não reconhecermos que somos pecadores! Mais pobres ainda se não reconhecermos que a graça de Deus nos atingiu, nos curou e nos santificou! “O primeiro domingo do itinerário quaresmal evidencia a nossa condição de homens nesta terra. O combate vitorioso contra as tentações, que dá início à missão de Jesus, é um convite a tomar consciência da própria fragilidade para acolher a Graça que liberta do pecado e infunde nova força em Cristo, caminho, verdade e vida (cf. Ordo Initiationis Christianae Adultorum, n. 25). É uma clara chamada a recordar como a fé cristã implica, a exemplo de Jesus e em união com Ele, uma luta «contra os dominadores deste mundo tenebroso» (Ef 6, 12), no qual o diabo é ativo e não se cansa, nem sequer hoje, de tentar o homem que deseja aproximar-se do Senhor: Cristo disso sai vitorioso, para abrir também o nosso coração à esperança e guiar-nos na vitória às seduções do mal.” (Bento XVI, Mensagem para a Quaresma de 2011).
Consequência prática: é preciso lutar! É preciso fazer guerra! É preciso ser fortes na batalha! Sou um sacerdote de Jesus Cristo consciente da necessidade da graça de Deus como qualquer outro cristão; no entanto, não posso pregar uma santidade sem luta: utópica, fora da realidade. Em definitiva, santidade sem luta é um quimera! Não existe santo que não tenha lutado! Já o justo Jó era consciente de que “a vida do homem sobre a terra é uma luta” (Jó 7,1). A paz que se deseja não se consegue se não for através da guerra, através da derrota do inimigo. Qual o inimigo? Na verdade, são vários: há inimigos internos que causam desordem nos desejos e nos amores: soberba, avareza, luxúria e gula; há inimigos internos que causam desordem no nosso ânimo: inveja, ira, preguiça. Há ainda os inimigos externos: o demônio, pessoas que são tentadoras, algumas estruturas sociais injustas etc. Se o cristão não luta, é vencido.
Diante dessa realidade dramática, poder-se-ia assumir posturas que não condizem com aquilo que nós somos, isto é, filhos de Deus. Uma delas é uma espécie de naturalismo, que tem duas versões. Na primeira versão, luta-se somente com as próprias forças, com a vazia confiança de que se poderá vencer dessa maneira. A outra versão implicaria uma ausência de luta contra as más inclinações, simplesmente porque essas inclinações seriam concebidas como naturais ao homem e, no fundo, ele nem tem culpa das coisas que faz. Outra postura, diferente do naturalismo, é o pessimismo: luta-se, confia-se na graça de Deus, mas no fundo como se sabe que se cairá se desiste e se conforma com uma vida triste e aburguesada. Outra ainda, o rigorismo: tudo parece pecado e, por tanto, quase seria preferível fugir desse mundo, pois este se torna totalmente hostil e tudo se transforma em pecado, dessa atitude podem vir angústias, depressões e ansiedades.
A maneira de combater de um filho de Deus é equilibrada: confia, em primeiro lugar, na graça de Deus e, depois, coloca todos os meios que está ao seu alcance para conseguir a vitória: oração, sacramentos, fuga das ocasiões de pecado, cultivo do espírito de penitência, uma dimensão de serviço que ajuda a descomplicar-se. Além do mais, o filho de Deus luta com serenidade: caso haja alguma caída, se levanta rapidamente a través da contrição e da confissão, e continua lutando. Jesus saiu vitorioso das tentações. Ele não tinha as feridas do pecado porque não tinha pecado, mas foi tentado para vencer por nós. Nele nós somos vencedores. Já! Agora!
Pe. Françoá Costa
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Por: Pe. André Vital Félix da Silva, SCJ
Iniciamos a nossa caminhada quaresmal diante de duas cenas bíblicas aparentemente opostas, mas ao mesmo tempo intimamente relacionadas. Por um lado, o velho Adão no centro do paraíso (Éden em hebraico: jardim das delícias), tendo ao seu dispor uma variedade de frutos para a sua alimentação, com a única restrição de não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal (1ª Leitura); do outro lado, temos o novo Adão, em pleno deserto, sem nada para comer e beber, peregrinando em busca do homem perdido, isto é, o Adão desobediente que fora expulso do paraíso e que se encontra ali no deserto, abandonado, incapaz de reencontrar o caminho de volta. Por isso, o Filho de Deus, assumindo a condição desse homem, vai ao seu encontro a fim de fazê-lo reencontrar a estrada rumo ao paraíso, à vida plena (2ª Leitura).
Nesse episódio das tentações de Jesus retoma-se a perspectiva do Antigo Testamento do compromisso de Deus de reconduzir seu povo, que se encontra no deserto, para a terra prometida. Moisés, no seu cântico (Dt 32) afirma: “Quando o Altíssimo repartiu as nações, quando espalhava os filhos de Adão, ele fixou fronteiras para os povos… Mas a parte do Senhor foi o seu povo… Ele o achou numa terra deserta, num vazio solitário e ululante”, portanto, o deserto é o lugar do encontro por excelência de Deus com o seu povo. Contudo, aquele que provocou a expulsão do paraíso, agora faz de tudo para que esse homem não saia do deserto, por isso se antepõe àquele que pode tirá-lo de lá. Satanás em hebraico significa “aquele que se coloca diante para impedir a passagem”, é o adversário, o acusador. As tentações propostas pelo diabo representam as tentativas de impedir que o Filho de Deus reconduza o homem, que se encontra no deserto, de volta ao paraíso, pois mantê-lo no deserto é garantir a sua morte.
Se o homem foi expulso do paraíso por causa de sua desobediência, só há um caminho de volta: a obediência a Deus. Se a antiga serpente convenceu o homem a desobedecer a Deus incitando-o a comer do fruto proibido, agora o Filho de Deus reabre a estrada através de um jejum de 40 dias a fim de alimentar-se apenas da Palavra que sai da boca de Deus, pois só assim não se deixará seduzir por nenhuma outra palavra enganadora como fora aquela da serpente a Eva.
Sutilmente o tentador quer convencer Jesus a endurecer o coração (fechar os ouvidos à voz do Pai), levando-o à desobediência e à infidelidade. Uma linguagem simbólica muito recorrente na Bíblia para indicar as tentações do povo no deserto é justamente “o coração de pedra”, como adverte o salmista: “Não endureçais os vossos corações como no deserto” (Sl 95,8). A missão de Jesus é justamente o contrário, é transformar os corações de pedra, desobedientes, em coração de carne. Ezequiel já profetizara que o próprio Deus iria transformar o coração de pedra do seu povo a fim de torná-lo obediente à sua Palavra, e isso resultaria na certeza de habitar a terra prometida, ou seja, sair do deserto, pois de uma terra desolada e deserta o Senhor fará como o Jardim do Éden (Ez 34,26-38).
As investidas do Diabo visam dissuadir Jesus de sua missão, ou seja, primeiramente, ao invés de transformar os corações de pedra em coração de carne, o tentador sugere que Jesus transforme as pedras em pão, isto é, uma vez que está com fome, use o seu poder de Filho de Deus em benefício próprio e não na realização da vontade de Deus.
Em seguida, o tentador procura obstruir o caminho exodal de Jesus propondo-lhe abandonar a estrada por onde devia passar e tomar atalhos, caminhos mais fáceis: “Atira-te daqui para baixo… os anjos te tomarão pela mão”. Porém, Jesus sabe que o caminho que conduzirá a humanidade para fora do deserto, que leva ao paraíso, não conhece nem atalhos nem saídas de emergência, mas é a estrada da cruz, é a porta estreita que leva inevitavelmente ao calvário.

A astúcia da antiga serpente, a sua característica fundamental, alcança seu ponto mais alto quando propõe: “Tudo isto te darei, se prostrado, me adorares”. O Satanás não apenas tenta obstruir o caminho de volta ao paraíso, mas se coloca como meta final desse caminho. É a mais ousada tentativa de impedir que Jesus realize a sua missão. Mais do que dificultar a estrada, o Diabo se coloca como ponto final do percurso, pois propõe a Jesus que o reconheça como o seu Deus (e Pai). Diante da tentação de tomar uma estrada errada, reza o salmista: “Ensinai-me, ó Senhor, vossos caminhos e mostrai-me a estrada certa! Por causa do inimigo, protegei-me, não me entregueis a seus desejos!” (Sl 27,11-12).
Todo ser humano na sua jornada terrena faz a experiência de sentir-se perdido, de encontrar-se no deserto sem rumo. A quaresma nos propõe um encontro com o Senhor que vem ao nosso deserto para desobstruir o caminho de libertação. Jesus, vencedor das tentações, ajuda-nos também a vencê-las, quando nos deixamos guiar pela Palavra de Deus que ilumina nossos passos e nos encoraja na luta contra as três grandes tentações de todo ser humano, como nos diz muito bem São Gregório de Nazianzo (Sermão XL, 10): o diabo quis convencer Jesus pela necessidade (fome), pela vaidade (privilégio de ser Filho de Deus), pela ambição (possuir todos os reinos). Essas continuam sendo também as nossas tentações, são os grandes empecilhos que obstruem o nosso caminho de crescimento (rumo à plenitude de vida). Reduzindo nossa existência à satisfação de nossas necessidades, permaneceremos fechados na nossa dimensão material, imediatista, cujo horizonte é estreito e medíocre: não enxergamos mais do que o que comer, beber, vestir. Apegados à nossa vaidade, viveremos estagnados na superficialidade da nossa existência, nas aparências sem raízes profundas que possibilitem nosso crescimento em todas as dimensões. Escravizados pela ambição, serviremos apenas aos ídolos que garantam o nosso bem-estar material, ainda que isso não passe de uma ilusão. Todos nós somos suscetíveis às tentações, porém se nos deixarmos conduzir por aquele que as venceu e vai à nossa frente desobstruindo o caminho, é possível também vencê-las.
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PARA A CELEBRAÇÃO DA PALAVRA (Diáconos ou Ministros da Palavra):

LOUVOR (QUANDO O PÃO SAGRADO ESTIVER SOBRE O ALTAR):
- O SENHOR ESTEJA COM TODOS VOCÊS... DEMOS GRAÇAS AO SENHOR, NOSSO DEUS...
- COM JESUS, por Jesus e em Jesus, NA FORÇA DO ESPÍRITO, LOUVEMOS AO PAI :
T: LOUVOR E GLÓRIA A VÓS, Ó PAI DE BONDADE!
- Senhor, criador do céu e da terra, bendito sejais, porque nos destes o Vosso sopro de vida e Por Jesus nos dignificastes com a graça da salvação. Que vosso Espírito nos fortifique sempre, para que saibamos optar pelos vossos projetos de vida e dignidade.
T: LOUVOR E GLÓRIA A VÓS, Ó PAI DE BONDADE!
- Nós Vos damos graças, porque nos enviastes o Vosso Filho, como um novo Adão, para que Ele fosse a cabeça de uma nova humanidade. Nós Vos bendizemos pelo dom gratuito da salvação.
T: LOUVOR E GLÓRIA A VÓS, Ó PAI DE BONDADE!
- Pai, Vos louvamos e vos bendizemos pela Palavra que sai da Vossa boca: ela é o verdadeiro pão que dá vida. Dai-nos força para que possamos sempre optar em seguir os vossos mandamentos.
T: LOUVOR E GLÓRIA A VÓS, Ó PAI DE BONDADE!
- PAI NOSSO... A PAZ DE CRISTO... EIS O CORDEIRO...





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